por Elaine Tavares
Existem momentos que a chamada esquerda brasileira deveras surpreende. Nestes últimos dias foi assim. Tenho visto textos escritos de todas as partes do país, indignados com o tratamento que a mídia está dando ao caso da ocupação dos laboratórios de pesquisa de uma empresa estrangeira que atua no ramo da celulose pelas mulheres camponesas do Rio Grande do Sul. Ora, há 500 anos que, nesta parte do mundo, a comunicação é feita pelos poderosos. O que podem dizer? A quem
defendem? Isso já deveria estar claro, afinal, 500 anos é tempo
demais.
Desde que aqui chegaram os aristocratas brancos e a Companhia de Jesus – destruindo toda uma outra cosmovisão - quase tudo o que sai nos meios de comunicação tem o controle dos que se fizeram dominadores. Com o fim do império e a implantação da República, foi o Estado que impôs a palavra. Hoje, sob o domínio do neoliberalismo, do mercado, quem dita as regras sobre o que sai ou não na TV – templo sagrado da
religião do capital – são as empresas transnacionais, visto que elas dominam também os governos. Assim é!
Então, o que esperar da mídia local? Louvores às heróicas mulheres que decidiram colocar seus corpos a serviço da libertação? Não. Estas mulheres são, para os que mandam no mundo, excrescências, patologias do sistema, engrenagens falhadas. Nesse sentido, é obvio que o governador do Rio Grande do Sul – servo voluntário do sistema – tem que expedir ordens de prisão. Como podem essas mulheres entrar assim
nos santos espaços das empresas estrangeiras que tanto bem fazem ao bolso das elites entreguistas deste país? Não é à toa que a Aracruz é parceira da Votorantim. É, a empresa de um adorável empresário brasileiro que, de tão bonzinho, até dramaturgo é. Faz teatro e caridade, enquanto chupa o sangue da nação.
As ocupações de terra no Brasil prescindem da boa fala de Willians Bonners e Fátimas Bernardes (os mesmos que chamam os brasileiros de Homer Simpsons). Elas acontecem porque existem milhões de camponeses e camponesas famintos e desterrados dos meios de produção, que querem e precisam comer. Essa gente ocupa terra não para encher de eucaliptos que matam tudo a sua volta, consumindo água e vida. Esse povo ocupa
terra para enche-la de feijão, arroz, mandioca, produzindo vida. Os sem-terra do Brasil tinham uma esperança. Acreditavam que, com Lula, os olhares do poder se voltariam para as maiorias, para os pobres, para os sem nada, para a vida. Não foi assim. O governo petista se aliou ao capital. A reforma agrária não veio. As empresas
estrangeiras seguem tendo o domínio de boa parte da vida nacional. Então, as mulheres camponesas – sem-terra e com-terra – decidiram agir. Aqui, no Brasil, os donos do poder não conhecem a palavra negociar. Não abrem mão de nada. Querem tudo. Por isso, não dá mais para ficar na ordem, em pacíficas passeatas, pedindo por favor. Os poderosos não conhecem outra língua que não seja a do "lucro-prejuízo".
A ocupação da Aracruz destruiu alguns projetos de 20 anos, dizem, pesarosas, as bocas alugadas da mídia. A pergunta que se deve fazer é: e a quem serviam essas pesquisas? Ao povo do Rio Grande? As gentes do Brasil? Óbvio que não. Serviam ao capital, ao poder, aos interesses lucrativos de uma meia dúzia. Ninguém, em sã consciência, põe o seu corpo em sacrifício, numa luta quase inglória. Isso é puro desespero. As mulheres camponesas não fizeram nada mais do que gritar um grito de
socorro. Elas querem ser ouvidas, vistas, percebidas. Elas querem sentar à mesa do grande banquete da vida, até hoje disponível apenas para os que dominam. Elas clamam pela vida mesma e não por resultados de pesquisa. Mas, ao que parece, no mundo feliz de quem manda, a vida dos pobres é algo absolutamente desimportante. Mais vale o aumento da produção de celulose.
O resultado dessa ação desesperada das mulheres camponesas já sabemos: ataques ferozes ao MST, retirada de subsídios dos camponeses, prisões, retaliações, talvez mortes. Por aqui tem sido assim desde sempre. Não há novidades. Quem tem o poder tem as armas, o judiciário, o legislativo, a lei. Aos pobres resta unicamente a luta, a luta renhida, com suas dores e tristes conseqüências. Minha esperança é de que esse episódio - no qual a vida é relegada em favor do lucro de alguns - faça acordar as gentes, para que vejam que neste "berço esplêndido" é só na luta mesma que as vitórias vêm. Não é na mesa, não é em conversinhas com presidente, não é em conciliação com o poder. É com o povo unido, caminhando em monobloco. Só assim! E a mídia? Ela fala, mas se houver caravana, aos cães só restará ladrar...
Elaine Tavares é jornalista no OLA/UFSC. O OLA é um projeto de observação das lutas populares na América Latina: www.ola.cse.ufsc.br