Geral da Terra, do ar, do mar e da Lua... Alma das flores, das cores, das pessoas nas ruas... Geral de tudo que se vê, de tudo que se ouve, das verdades nuas.

24/11/2006

O maestro Tom Zé


É um maestro, mesmo. Tom Zé brinca com os sons. Talvez não seja um músico como Hermeto Pascoal (que não gosta de Tom Zé - clique aqui para ler entrevista), mas explora a sonoridade com excelência. E, no show de ontem, apresentou seu novo trabalho:
Danç-Êh-Sá.

É um disco que, segundo o próprio, foi feito sem letra nenhuma, inspirado em pesquisa da MTV que consatou seu público - gurizada entre 14 e 25 anos (algo assim) - ser hedonista, individualista, que não gosta de letra, não gosta de pensar e por aí vai... "Então eu fiz o disco sem letra nenhuma!".

E é verdade. Aliás, nem tanto. Mesmo as onomatopéias falam alguma coisa. Tom Zé apresentou as músicas, literalmente. Contou a história de cada uma, como a Atchim, que se baseou em uma vez que esteve na Daslu - sim, ele gosta de lojas e tinha que conhecer a Daslu! Espirrou por lá e percebeu que este seu ato fisiológico não condizia com o ambiente. Pelo menos aquele que "proferira". Fez a música, então, para os espirros da elite, para mostrar que a diferença de classe também está presente no "saúde, deus te crie" e vá pedrada...

E essa foi apenas uma das histórias. Tom Zé dissertou sobre várias coisas, sempre se utilizando de uma verborragia inteligentíssima e uma serenidade de quem está nos seus 70 anos - mas com muita juventude! Ele contou histórias de sua terra, sua vida, falou do racismo, da miscigenaçao brasileira. Citou Gilberto Freire, foi longe na intelectualidade. Uma pena que aquele não parecia ser o lugar certo para isso...

Como?! Não era o lugar certo???

Claro que era! Era o Salão de Atos da UFRGS, uma universidade!!!

Tá certo... O lugar era o correto. O problema eram as pessoas.

Incrível o que acontece com Porto Alegre. De repente se descortina uma áura amorfa por sobre a pós-adolescência da cidade. Exatamente aqueles que cresceram respirando o Fórum Social Mundial são os mesmo que asfixiam os seus ideais.

Uma platéia fria, racista, até. É o que a cidade está se transformando.

Uma legião de fantasiados, com cabelos pintados, piercings e outros signos de rebeldia. Uma legião que expressa insurreição, mas que gruda a bunda na cadeira e reclama daqueles em catarse com o momento. Reclama de quem assovia alto, de quem se atreve a dançar, julga quem reage.

É uma nova era. É uma era de modas e imagens.

A pós-adolescência porto-alegrense quer mesmo é se bombar de ecstasy em festa rave. Quer a balinha à toda prova. O que antes só se observava nas festas obscuras, de acesso privê, se disseminou. Virou cultura. São hordas que se deslocam pela cidade e arredores promovendo a pasteurização da mentalidade humana. Não fumam nem mais maconha...

E foi essa galera que bradou o Fórum aos sete ventos. Essa galera que dizia querer mudar o mundo, que sempre votou no PT, mas que, agora, decepcionada, não quer mais saber de política e aperta o "4" e o "5" sem pestanejar na frente da urna: "é tudo a mesma coisa, mesmo".

Essa é a POA RS.

Tá certo que nem todo mundo é assim. Que existem as exceções. E esse é o problema, são apenas exceções a uma regra bisonha e triste.

"Mas, vai ver, o Tom Zé não emocionou o público"... Tá mais para o público não ter emocionado Tom Zé, este grande artista.

O problema do show foi isso: tinha porto-alegrense demais na platéia.

Ah! E Tom Zé é o cara!!! E entrou para a galeria ali do lado.

obs: moro em POA desde que nasci, em 1979.
obs 2: segue abaixo uma das músicas que Tom Zé cantou. Letra forte, contundente e real. Timing perfeito para ser expressa em Porto Alegre...

O PIB DA PIB
(Tom Zé / Sérgio Molina / Alê Siqueira)
Gênero: Bloco de Turistas Europeus para o Cordão das Meninas do Nordeste
ARRASTÃO DE ROSSINI - O BARBEIRO DE SEVILHA
Ed. Irará (Trama) 70274716


Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos

Imagine um gringo daquele tamanho
Em cima da criança pobre nordestina,
Sufocada, magricela, seca, pequenina,
Ah, Nossa Senhora minha

O PIB da PIB que pimba no seco
Pimba no molhado
Pimba no seco saco seco
Peixe badesco na filha dos outros é refresco

Ô Senhora, Mãe Senhora,
Nessa hora olha pra tua menina, Senhora

A Prostituição Infantil Barata
É a criança coitadinha do Nordeste
Colaborando com o Produto Interno Bruto
E esse produto enterra bruto

Que dor, que dor
Que suja a bandeira
Oi, essa quebradeira
Oisquindô - lalá

Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos

O governo acha que se ela pega
Uma aidisinha não é nada, nada
Passa na vizinha, vai na rezadeira
Pede à benzedeira chá de aroeira
Que esse Produto Interno Bruto
Justifica tudo.

A grana da Europa que bate na porta
Doutor pouco se importa se ela seja porca
Vêm o godo, o visigodo, o germano, o bretão
Eita, globarbarização

O diabo zela a politipanela
Quando acende vela
Reza Ave-Maria todo o dia
Esse capeta pelo rabo
Soque esse diabo

Ah, ah, pinta-la-inha
Bê cana-bentinha
Cê cê de marré-deci

Que dor, que dor,
Que suja a bandeira
Oi, essa quebradeira
Oisquindô - lalá

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Tri-lega o comentário sobre o grande Tom Zé. Mas te superaste na análise sobre a pós-adolescência em POA. Ainda agorinha estava comentando com minha filha, que é aluna da UFRGS, sobre este lance do individualismo desta geração.

24/11/2006, 18:39

 
Blogger Guga Türck disse...

Pois é, Brisa. Parece que teremos tempos nebulosos pela frente...

27/11/2006, 15:31

 

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