Retomando...
Fiquei um tanto longe das atualizações por estar imersa em uma série de projetos. Pois bem, um deles mais do que os outros. Por conta disso vou retomar um texto que postei no dia 05 de setembro de 2006...
Aos cuidados deste cidadão.
Em primeiro lugar, gostaria de pedir licença e trazer uma definição para que fique bem claro para quem estou falando. Este cidadão a que me refiro é uma pessoa que reside em qualquer lugar do mundo. É um indivíduo minimamente inteligente, independente se é graduado ou não, mas que carrega consigo as influências de uma sociedade externa (aqui não se tem a pretensão de discutir se esta é boa ou ruim). Este mesmo cidadão possui a capacidade de julgar, para si - e somente para si -, o que é certo e o que é errado, definindo desta maneira seus limites e com eles convivendo com os outros cidadãos, em paz ou em guerra. Mais uma vez, não pretendo aqui julgar as convicções sociais, econômicas, políticas ou religiosas de quem vier a ler esta carta, mas só a escrevo para relatar uma experiência de vida e talvez contribuir para o seu crescimento pessoal, assim como esta mesma experiência contribuiu para o meu.
Em segundo lugar, gostaria de me definir, para que tu conheças quem está escrevendo. Meu nome é Têmis, sou formada em jornalismo, mas não me considero jornalista, sou comunicadora. Trabalho com vídeo, não tenho pós-graduação em nenhuma área, não tenho especialização em nada. Minha principal qualidade como profissional é, e sempre foi, a observação do meu mundo através do cotidiano das pessoas. É assim que adquiro as minhas convicções e defino os MEUS limites.
Pois bem, durante 10 dias estive em São Paulo para participar de um documentário sobre Transexualidade. Não sabia nada sobre o assunto. Desconhecia por completo do que se tratava. Havia lido muitas coisas, conversado com pessoas, mas nunca cheguei perto de um entendimento mínimo.
Quando começamos as entrevistas e quando as histórias de vida de cada um vieram à tona, percebi que cada depoimento que eu for fazer na minha vida sobre o assunto não vai ser no sentido de tentar convencer a ninguém de que fulano ou beltrano é homem ou mulher. Isso não se discute quando se fala em transexualismo. O fato de ele(a) não ser operado(a) ou não tomar hormônios não determina o seu GÊNERO.
A violência desta sociedade, nesta situação, está na pretensão de achar que se sabe o que cada um guarda dentro de si. E, então, surgem os rótulos: sapatão, bicha louca, drag queen, TRAVECO. Quem chama um transexual de travesti, sem procurar saber as diferenças entre os dois, não merece respeito. Quem acha que é engraçadinho e espera, de materiais que tratam do assunto, um show de lantejoulas e plumas, acho melhor rever suas prioridades e conceitos.
Chamo essa ignorância de violência por uma série de razões. Uma mulher aprisionada em corpo de homem, ou vice-versa (sim, existe o vice-versa. SIM! Existe homem que nasce aprisionado em corpo de mulher), é uma briga entre o corpo e a concepção de si mesmo e é muito sofrida pra quem tem que enfrentar o mundo de pessoas que se esforçam para serem "normais", não importa como. Imagina a situação de te xingarem por teres a coragem de mostrar a todos como tu realmente te sente. Ser obrigado a mostrar um pedaço de papel para provar algo que tu nem sequer acredita e ainda ser gozado por isso, por um nome que não é teu.
Essas pessoas "normais" (eu não conseguiria definir essa palavra) estimulam o preconceito e a ignorância para manter a sua imagem, que, por muitas vezes, é mentirosa, pois, nesta sociedade ocidental de característica cristã a qual me refiro, a máxima é ganhar dinheiro para se ser alguém. Só assim serás alguém. Tuas convicções não valem um real.
É justamente isso que fere os "normais", o fato de pessoas transexuais conseguirem fincar o pé pelo que acreditam e assim buscarem a sua liberdade. Quem tem coragem de dar a cara pra bater são aqueles que mudarão a sociedade, revendo valores pré-estabelecidos, estes engolidos à força por todos nós no dia-a-dia, sem contestação.
Mas não fico do lado dos transexuais por achar que são minoria, ou por achar que todos são bonzinhos e, muito menos, coitados. Não existe esta conotação quando se fala em transexualidade.
Transexualidade é entrar em contato com o seu ser interior, é se conhecer ao extremo e abraçar toda sua essência, feminina ou masculina. É assumir seus defeitos e qualidades e se assumir como um ser humano igual a todos os outros. Fico do lado, especialmente, dessas 8 pessoas que conheci, pois todas elas, sem exceção, são fortes, decididas, revolucionárias. E o que mais me toca é que são honestas com um mundo que não merece a sua honestidade, por todos os dias duvidar de sua condição e tornar a própria existência extremamente desgastante.
Li num texto que 4 milhões de pessoas no mundo são transexuais. O que me preocupa de fato é que por volta de 6 bilhões 996 milhões, correspondente ao resto dos habitantes do Planeta Terra, podem discriminar transexuais por falta de conhecimento sobre o assunto, achando que isto é meramente uma opção sexual, fetichismo, etc. Ou, ainda, discriminar apenas por serem diferentes. Me preocupa, também, a distorção do assunto na mídia massiva, que pega esse tipo de situação e transforma num circo ou em moda. Me preocupa, ainda, o comércio, que vê nesse "novo gênero" (como assim???) um mercado em potencial, um segmento.
"Se não me toca, porque me incomodar"? Assim pensam inconscientes aqueles que não procuram compreender. Não conseguem raciocinar um pouco mais longe. Se acontece na tua cidade, país ou continente te toca sim, senhor. É teu problema porque, mais cedo ou mais tarde, tu vais cruzar com algum transexual na rua. E como é que tu vais agir?
Com indiferença? Eles existem.
Com preconceito? Por quê?!Preconceito é medo, é raiva.
O que te agride tanto nessa situação? Já paraste pra pensar?
Talvez esse medo seja do desconhecido, e essa raiva seja de algum problema interno teu, mal resolvido.
O mais importante em toda essa experiência é que percebi que basta derrubarmos 1 preconceito para que todos os outros caiam juntos. Para mim, a intolerância no outro é a doença em si mesmo e isso é "o" preconceito. O remédio é a informação e a vontade de compreender e, assim, de se conhecer também, por que não?
Tá com medo? De ti?
2 Comentários:
Maravilhoso ..... concordo plenamente.Com Preconceitos se perde muita coisa boa que tem esse mundo.
27/07/2007, 11:10
Muito bom esse texto!
Certa vez me perguntaram qual o pior sentimento humano, e eu respondi: preconceito. Por conta dele, se fazem as maiores barbaridades. Ele é pior do que o medo, que nos aflige diante do diferente.
Abraços
29/07/2007, 12:24
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