Boquinha e sem-terrinha
Trecho da conversa entre Marcela Caldas Garcia, 13 anos, do Boquinha, e o sem-terrinha Valdeci Trieweiler Jr., 12 anos, durante a visita que o jornal fez no acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, em Nova Santa Rita, no dia 19 de maio.
Marcela: Por que vocês vieram pra cá?
Valdecir: Porque nós estamos tentando conquistar uma terra. A gente não tem terra lá fora. Não pode plantar nem para comer nem para vender na cidade. E existem pessoas com muita terra. Então, é preciso repartir. Mas lá fora, sozinho, não se consegue uma terra. Por isso a gente se juntou.
Marcela: Eu sei como tu te sentes. Eu já passei quase tudo que vocês já passaram. É muito ruim não ter onde ficar, ter que se mudar. Lá em Porto Alegre vive muita gente sem casa. Eu, a minha mãe e as minhas irmãs moramos em uma casa que não é nossa. Aqui parece mais fácil. Pelo menos todo mundo se conhece.
Valdeci: Aqui todo mundo é companheiro. A gente reparte tudo, até a comida. Ninguém chuta ninguém.
Marcela: Tem muitos adolescentes e crianças no acampamento?
Valdecir: Umas 150.
Marcela: Vocês estudam?
Valdecir: Todos estudamos.
Marcela: A escola é diferente?
Valdecir: Aqui a gente chama o jardim de ciranda e tem a escola que é itinerante, que nunca pára num lugar. Se a gente sair daqui para outro acampamento, ela vai junto. Não tem faculdade, mas tem outras oportunidades. E a gente chama o professor de educador.
Marcela: Por quê?
Valdecir (chama a educadora para ajudar): Professor é o que tudo sabe, e o educador é o que contribui. É uma troca mútua.
Retirado do Boquinha, que é um encarte feito por crianças e é parte integrante do Jornal Boca de Rua. Edição de junho, julho e agosto de 2007.
Jornal Boca de Rua: produzido por pessoas em situação de rua de Porto Alegre sob a supervisão da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE).
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