Santa Ignorância
E difícil escolher um assunto quando tudo o que nos rodeia vem carregado de guerra, mortes injustas e maldades sem tamanho. Por isso a ignorância me parece perfeita como centro de discussão. Seja ela a ignorância sem querer, seja ela a ignorância por querer.
A pessoa para ser aceita por completo na micro sociedade judaico-cristã ocidental tem que passar por alguns estágios básicos de existência. É a escalada do sucesso!
1. Nascer e usar rosa e brincar de futura dona-de-casa, se for guria, ou vestir azul e brincar de acidente automobilístico ou de jogador de futebol, se for guri. Quando crescer mais um pouco optar por gostar de guris, se for guria, e gurias, se for guri.
2. Passar sem suspensão ou expulsão por não questionar a educação de algum colégio que custa perto de 1.000 reais por mês que te ensina como decorar pra passar numa prova. Se não tem 1.000 por mês, aceitar a educação gratuíta e, enquanto isso, ir pensando em como competir com aquele cara da educação de 1.000 por mês + cursinho, pela sua vaga na faculdade pública.
3. Após escolher entre a instituição privada corrupta ou a instituição estatal falida, passar pela faculdade e baixar a cabeça para matérias sem sentido, professores rasos e educação que indica como único meio de sobreviência o emprego "estável" e o concurso público. Se formar de toga, agradecer a educação recebida e esquecer tudo o que foi mencionado neste ítem 3.
4. Fazer um concurso, incrementar o currículo, ser empregado obediente e ganhar o salário + benefícios, sem questionar a miséria da folha de pagamento comparada com os salários milionários de deputados e juízes.
5. Arrumar um partidaço que ganhe, no mínimo, tanto quanto tu. Casar, de papel passado, e ter filhos. Nessa ordem. Batizar o filho mesmo não sendo católico. Com a família constituída, alimentar os dias de festa como a Páscoa, Natal, mesmo que continue sem ser católico, dia das mães, pais, crianças..., mesmo não tendo dinheiro pra gastar e mesmo sem ter a mínima vontade de presentear algumas pessoas da família (não esquecer da obrigação de gostar de todas as pessoas da família).
6. Agora só resta relaxar. Pensar na aposentadoria desde cedo e não esquecer o que fazer com ela, já que os filhos não vão mais estar em casa e, provavelmente quando atingir a idade de aposentadoria, não vais mais prestar pro mercado de trabalho. De repente começar a aceitar a posição de descartável é um bom começo.
A ignorância é pior quando é por querer. Questionar as imposições sociais é uma questão de sobrevivência e sanidade mental. Isso começa na família, no trabalho, nos relacionamentos e me parece tão descuidado por todos atualmente. São milhares de pessoas infelizes, solitárias e que continuam achando que a salvação está na perpetuação desses valores, mesmo quando eles não fazem sentido. Acabam por não pensar suas vidas e desperdiçam o seu presente se preocupando com o passado e futuro, tomando pílulas-pra-dormir-pra-sorrir-pra-curar e, assim, ficando "chapados" e inconscientes para a vida.
É no dia-a-dia que acabamos com as guerras, com a injustiça, com a corrupção. É no individual que curamos o social. Abaixo à ignorância por querer, viva a escolha por uma vida de diálogo e de busca pela individualidade!
7 Comentários:
Som de palmas (animadas, fortes). Som de assovios (no tom, não incômodos). Corta! Sai o diretor, entra o narrador, em ófi: - E uma vida de individualidades, em busca de diálogos.
23/03/2007, 17:04
Pódi crê, jean!
23/03/2007, 17:54
Muito, muito, muito bom, Têmis!
Coloquei o chapéu uma porção de vezes, me senti rebelde outras tantas e por fim, tiro o chapéu para o teu excelente artigo.
Algumas coisas já superei: Não faço mais Natal junto com aquele bando de parentes chatos (por tabela não compro presentes, mas também não ganho, o que é um alívio pois odeio quinquilharia, afinal de quinquilharia aqui em casa já basta eu); não freqüento mais a s festas com gente metida à besta que o meu marido fazia questão que eu encarasse; não ligo para aniversério de casamento; meus amigos são escolhidos a dedo (por isso tenho poucos, mas são de fé).
Em contrapartida, fico meio de cara quando a minha filha que mora em POA não vem no domingo em casa. E fico p da vida se não me paparicam no dia das mães. Fora isto não sou tão careta. Eu acho.
Bom final de semana.
Beijos para você e para o Guga.
Re
23/03/2007, 19:59
Grande Têmis.
Grande texto.
Beijos
Fab.
26/03/2007, 20:58
O mais triste é que tudo isso é verdade. Belíssimo texto!
27/03/2007, 22:34
Muito bom esse texto!
Eu gostaria de comentar mais, mas aí ficaria tão longo o comentário, que optei por escrever um post no Cão Uivador.
Abraços!
26/07/2009, 21:43
Têmis,
Brilhante! O @caouivador indicou!
[]'s e :*
Hélio
27/07/2009, 00:39
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